segunda-feira, 1 de abril de 2013

O joio legislativo, por Gaudêncio Torquato

 


Gaudêncio Torquato

Perguntaram a Sólon, um dos sete sábios da Grécia antiga, se havia produzido boa legislação para os atenienses. Respondeu: “dei-lhes as melhores leis que podiam suportar”.

Perguntaram ao barão de Montesquieu, o formulador da teoria da separação dos poderes, quais as boas leis que um país deve ter? Respondeu: “quando vou a um país, não examino se há boas leis, mas se são executadas as que existem, pois há boas normas por toda a parte”.

Pergunte-se a um representante do povo no Parlamento brasileiro que critérios guiam a tarefa legislativa. É provável que aponte o numero de projetos apresentados – sem destaque para o mérito –, corroborando a ideia de que, em nossa seara parlamentar, vale mais a quantidade do feijão plantado sobre a terra, do qual pouco se aproveita, do que a qualidade da semente.

Amparados pela força da lei, coisas estapafúrdias como o Dia da Jóia Folheada (toda última terça feira de agosto), o Dia das Estrelas do Oriente, a Semana do Bebê e outras esquisitices povoam o manual do joio legislativo escrito por parcela ponderável do corpo parlamentar. Instados fossem a discorrer sobre a natureza de nossas leis, os Sólons tupiniquins poderiam sacar a resposta: “são as leis que os brasileiros têm de aguentar”.

Cada povo com sua medida legislativa.






Não bastasse a progressão geométrica do que se pode chamar de Produto Nacional Bruto da Inocuidade Legislativa (PNBIL), forças exógenas emprestam sua colaboração para adensar o volume de normas inúteis.

A Copa das Confederações e a Copa do Mundo, sob o escudo da Federação Internacional de Futebol (FIFA), anunciam um conjunto de normas para mudar o comportamento do torcedor brasileiro.

Serão terminantemente proibidos nos estádios xingamentos a jogadores, juízes e suas progenitoras, censura que acabará abarcando os elogios, porquanto no burburinho de torcidas inflamadas ouvido nenhum será capaz de distinguir onomatopeias positivas de palavrões. Risível, não?

O fato é que a FIFA quer mudar por decreto a maneira brasileira de ser. Obrigar torcedor fanático a entrar em ordem unida e adotar comportamento considerado exemplar é tentar tapar o sol com a peneira.

Tem mais: que ninguém tente se levantar para comemorar um gol de seu time ou reclamar impedimento de jogador do time adversário. Cerveja pode, mas fumar, nem pensar. Dito isto, vem a pergunta: como os pregadores dos bons costumes em estádios de futebol controlarão o ímpeto expressivo da massa? Brigadas da FIFA vigiarão seus movimentos?

Esses são os nossos Trópicos. A fúria legiferante que entope as vias institucionais e chega ao cotidiano, afetando de um modo ou de outro a vida das pessoas, tem muitas significações.

Para começar, somos um país que ainda não cortou as amarras da secular árvore do carimbo, “preciosidade” trazida pelos colonizadores portugueses. O carimbo foi criado por D. Diniz nos idos de 1305 para conferir autenticidade a documentos. Concedido a “homens bons”, nomeados pelo rei, que juravam fidelidade aos santos evangelhos, incrustou-se na vida brasileira, a ponto de atravessar, incólume, mais de cinco séculos.

Deixa sua tinta forte na própria era digital. A autenticação e os selinhos de cartórios trazem obsoletos costumes ao nosso cotidiano, pavimentando os caminhos da burocracia. Explica-se o cartorialismo ainda pela capacidade de fortalecer a estrutura de autoridade; esta, por sua vez, se expande na esteira de leis que procuram impor a ordem do mundo ideal.

Trata-se da visão platônica de plasmar a realidade por força da lei.



Leia mais em O joio legislativo

Nenhum comentário:

Postar um comentário