Seca histórica muda paisagens no RN e faz sertanejo querer ir embora
G1 foi a 19 cidades para ver os feitos da pior estiagem dos últimos 100 anos.
Barragem com obras atrasadas e transposição são tidas como soluções.
Açude Gargalheiras está praticamente seco por conta da estiagem prolongada (Foto: Anderson Barbosa/G1)
A mais longa estiagem dos últimos 100 anos no Rio Grande do Norte está mudando hábitos e transformando paisagens interior a dentro. Reservatórios secaram, cachoeiras desapareceram e o verde da vegetação ganhou tons de cinza. O solo rachou, animais morreram, plantações foram dizimadas. Os prejuízos, somente no ano passado, somam R$ 3,8 bilhões. E o sertanejo, que sofre com escassez, agarra-se à fé. As previsões para o ano que vem não são boas. Um reservatório com obras atrasadas e a transposição do rio São Francisco, que sequer tem data para chegar ao território potiguar, são as soluções apontadas pelos governantes.
Para ver de perto os efeitos da seca, equipes do G1 e da Inter TV Cabugi percorreram aproximadamente 1.400 quilômetros. Durante cinco dias foram visitadas 19 cidades nas regiões Seridó e Oeste do estado. Em Acari, Antônio Martins, Carnaúba dos Dantas, Currais Novos, João Dias, Luís Gomes, Paraná, Pilões, Riacho de Santana, São Miguel e Tenente Ananias o colapso no abastecimento faz os moradores dormirem mal, angustiados com a escassez. E é preciso levantar cedo para enfrentar as filas em busca de alguma água. Já em Apodi, Caicó, Itajá, Jucurutu, Lucrécia, Parelhas, Pau dos Ferros e São Rafael, é o nível baixo das barragens que preocupa.
As respostas para o homem do campo são ruins não apenas quanto à possibilidade de uma mudança no clima, mas também em razão das soluções apresentadas pelos governos federal e estadual. A construção da barragem de Oiticica, apontada como salvação para meio milhão de sertanejos, segue a passos lentos.
Obras da barragem de Oiticica deveriam ter sido concluídas em junho passado (Foto: Anderson Barbosa/G1)
Já a tão aguardada transposição do rio São Francisco, que de acordo com o Ministério da Integração Nacional (MI) também beneficiará os potiguares, sequer tem data para chegar ao estado. O MI explica que as águas do Velho Chico virão até o RN de duas maneiras. Uma delas é com a perenização do rio Piranhas/Açu. Significa que as águas do rio, que nasce na Serra do Piancó, na Paraíba, devem ser represadas pela barragem de Oiticica antes que elas desemboquem na barragem Armando Ribeiro Gonçalves.
A outra forma de a água chegar ao estado será com a construção um sistema denominado Ramal Apodi, uma etapa da obra que faz parte do chamado Eixo Norte da transposição. Por este ramal, as águas deverão correr por canais, túneis, aquedutos e barragens, totalizando 115,5 quilômetros de extensão. Para isso, ainda de acordo com o ministério, estima-se que 857 propriedades terão que ser relocadas ou os donos indenizados em treze municípios da Paraíba, Ceará e no próprio Rio Grande do Norte.
Em solo potiguar, a transposição afetará famílias em Luís Gomes, Major Sales e José da Penha, por onde o ramal passará até chegar ao açude público de Pau dos Ferros, de onde as águas partirão até Angicos, já na região Central do estado. Ao final do percurso, 44 municípios devem ser beneficiados. O MI afirma que todo o Eixo Norte tem investimento orçado em R$ 5,25 bilhões e que já trabalha na elaboração do edital de licitação para que os serviços no Rio Grande do Norte tenham início. Só não disse quando.
Em
Luís Gomes, Ministério da Integração Nacional já demarcou o terreno por
onde será construído o Ramal Apodi, que faz parte das obras de
transposição do rio São Francisco (Foto: Anderson Barbosa/G1)
Agricultor José Vandilson mostra o posto de saúde
que teve a obra de construção interrompida par a
passagem do Ramal Apodi
(Foto: Anderson Barbosa/G1)
que teve a obra de construção interrompida par a
passagem do Ramal Apodi
(Foto: Anderson Barbosa/G1)
Convivência com a seca
Nesta semana, o ministro Gilberto Occhi anunciou que as obras do Projeto de Integração do Rio São Francisco estão com 78,6% de avanço físico, segundo dados de agosto deste ano. Também de acordo com o MI, o Rio Grande do Norte deve receber R$ 6 milhões para a continuidade das obras da barragem Oiticica.
Já o governo do estado, informou que está traçando estratégias de ação para a convivência com a seca. O plano, para o qual foram pleiteados R$ 63 milhões, é pensado para os próximos seis meses. “Estramos enfrentando a maior crise hídrica da história do nosso estado”, frisou o governador Robinson Faria. Segundo ele, três pontos principais compõem o plano. No primeiro, o estado pretende equipar, perfurar e comprar materiais para poços. O segundo diz respeito à forragem e ração animal, principalmente para os pequenos agropecuaristas. O último, é sobre a utilização de carros-pipa. Robinson quer que o Exército também abasteça a zona urbana das cidades que estão em colapso.
Apelo
O governador também tratou da transposição do São Francisco. Ele disse que enfatizou o apelo já feito a presidente Dilma Rousseff para que ela considere, na execução do projeto, a inclusão da obra do canal que liga as barragens de Caiçara a Engenheiro Ávidos. A obra, orçada em aproximadamente R$ 150 milhões, vai captar água no município de São José de Piranhas (PB) e jogar na bacia Piranhas-Açu (RN), o que segundo ele anteciparia em quase 2 anos a chegada da água do Velho Chico ao Rio Grande do Norte.
Silvano e Daiane vão esperar que o tempo melhore
até o final do ano. Se não chover, o casal promete ir
embora para Brasília (Foto: Anderson Barbosa/G1)
até o final do ano. Se não chover, o casal promete ir
embora para Brasília (Foto: Anderson Barbosa/G1)
Silvano Soares Santos é servente de pedreiro, mas está desempregado. A mulher dele, Daiane Ferreira, vive de uma aposentadoria que recebe do INSS por ter epilepsia. O casal mora em Caicó, na região Seridó potiguar, uma das que mais sente a estiagem. Se não voltar a chover até o final do ano, Silvano e Daiane prometem ir embora para Brasília.
“Minha mãe, que é de Brasília, morava aqui com a gente. Ela não aguentou essa seca e voltou pra lá. É isso o que nós vamos fazer também se o tempo não melhorar. Lá em Brasília meu marido tem mais chances de conseguir um trabalho”, disse a mulher. Silvano concorda. “Viver com um salário mínimo é muito difícil. E ter que gastar com água é pior ainda. Temos três filhos pequenos, de 6, 8 e 11 anos. Aqui é muito sofrimento para eles”, acrescentou.
Com menos de 4% da capacidade, açude Itans, em Caicó, entrou no volume morto (Foto: Anderson Barbosa/G1)
Dona de casa, Alzirene Oliveira pretende ir morar
em Natal para escapar da seca
(Foto: Anderson Barbosa/G1)
em Natal para escapar da seca
(Foto: Anderson Barbosa/G1)
Em Antônio Martins, a zona rural é abastecida pelos caminhões-pipa do Exército. Já na área urbana da cidade, a Caern faz o fornecimento. Segundo o pipeiro João Batista, são cinco veículos contratados pela companhia. "Cada carro faz cinco viagens por dia. Só não rodamos nos sábados", explicou.
Caminhões-pipa vão de casa em casa levando água para os moradores de Antônio Martins (Foto: Anderson Barbosa/G1)
Proveito e desespero
Enquanto alguns sofrem com a seca, também há quem lucre com ela. É o exemplo dos comerciantes de São Miguel, também na região Oeste, que estão faturando com a venda de baldes usados para guardar água. Na antiga cidade de São Rafael, inundada há mais de 30 anos para dar lugar à barragem Armando Ribeiro Gonçalves, um bar foi montado para recepcionar os visitantes que querem ver as ruínas da ‘Atlântida do Sertão’. Antigas construções, como a igreja e o cemitério, ressurgiram graças ao baixo volume do reservatório.
Açude Gargalheiras, em Acari, está praticamente seco por conta da estiagem prolongada (Foto: Anderson Barbosa/G1)
Em Acari, no Seridó, o espetáculo das águas sumiu. A última sangria do açude – que é quando as águas passam por cima da parede formando uma gigantesca cascata artificial – aconteceu em 2011. De lá para cá o reservatório vem perdendo água. Hoje, está com apenas 0,2% de sua capacidade total. Mesmo assim, ainda atrai muita gente. Os visitantes vão ao local para contemplar a desolação.
Cachoeira
do Relo, que fica em Luís Gomes, possui uma queda d’água de 8 metros de
altura; nascente do rio Mossoró secou, fez cachoeira desaparecer e
turistas desaparecerem (Foto: Anderson Barbosa/G1)
Por fim, o que resta é mesmo a aflição. Um exemplo disso está na
Cachoeira do Relo, uma queda d’água de oito metros de altura enfincada
em meio as montanhas que circundam a cidade de Luís Gomes, no Oeste do
estado. Faz três anos que não pinga uma gota d’água por lá. A tristeza
do comerciante José Givaldo, proprietário do balneário, resume o
sentimento do sertanejo: “O que fazer? Só nos resta rezar”, concluiu.
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