O marronzinho, visivelmente embriagado, é preso em
flagrante, depois de bater o carro em um ônibus, em Taboão da Serra, na noite de
segunda feira passada.
Sem carteira de habilitação no momento do acidente, confessa ter consumido
cerveja e cachaça e é solto após pagar fiança de R$ 5 mil.
A Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), que emprega o profissional,
decreta: “não cabe à companhia nenhum procedimento, visto que o caso não tem
relação com os aspectos funcional e profissional”.
Pois é, o agente responsável pela fiscalização da Lei Seca brasileira,
considerada uma das 20 mais severas entre as legislações de 82 nações
pesquisadas pelo International Center for Alcohol Policies, dirigirá tranquilo
na via tortuosa da burocracia, eis que seu empregador descarta nexo entre
conduta pessoal e eventos que mostram transgressão ao escopo funcional do
empregado.
Esse é apenas um retalho da moldura que abriga leis não cumpridas, justiça
lerda, projetos casuísticos, prioridades invertidas, improbidade administrativa,
decisões provisórias, banalização da violência, tibieza de governantes e culto
ao individualismo, entre outros vetores de nossa vida social e política.
O que chama a atenção no episódio do marronzinho (assim chamado pela cor da
roupa) é a resposta da CET, da qual se pode pinçar o discurso reativo de nossa
burocracia: “não temos nada com isso; cumprimos rigorosamente o dever; condutas
pessoais não estão sob nossa égide”.
Eis a viseira que tampa o olhar lateral das estruturas do Estado, preocupadas
em ficar longe de denúncias e em distribuir culpas a outros gestores, jamais
avocando a si parcela (mínima que seja) de erros e desvios.
Não seria mais razoável que, face a situações como a ocorrida, a
administração do trânsito viesse a público proclamar seu dever com a formação
dos quadros, significando emprego correto de equipamentos, treinamento intensivo
de habilidades profissionais, campo de abrangência das leis, e, em complemento,
orientação psicológica, de modo a integrar condutas pessoais à planilha
profissional?
O desleixo é um dos maiores obstáculos à modernização da gestão pública nas
três instâncias federativas. Os maus exemplos vêm de cima, gerando o efeito
dominó da ineficiência. A primeira pedrinha derruba a segunda, que derruba a
terceira e assim por diante.
Veja-se o caso da Lei Seca, a de no 11.705, sancionada pela presidente Dilma
em 20 de dezembro de 2012, que tornou mais rigorosa a punição de motoristas
alcoolizados.
Necessária para diminuir o índice de acidentes – o Brasil ocupa o 5º lugar no
ranking de recordistas de acidentes de trânsito -, no início, a lei correspondeu
às expectativas. Registrou-se sensível queda no número de acidentes.
Ao correr do tempo, a fiscalização relaxou, tanto por causa da falta de
bafômetros quanto por conta da recusa dos motoristas a se submeter ao teste.
Nada surpreendente.
Leia a íntegra em
Leis secas e molhadas
Gaudêncio Torquato, jornalista, professor titular da
USP, consultor político e de comunicação Twitter@gaudtorquato