segunda-feira, 29 de abril de 2013

Leis secas e molhadas, por Gaudêncio Torquato

 


O marronzinho, visivelmente embriagado, é preso em flagrante, depois de bater o carro em um ônibus, em Taboão da Serra, na noite de segunda feira passada.

Sem carteira de habilitação no momento do acidente, confessa ter consumido cerveja e cachaça e é solto após pagar fiança de R$ 5 mil.

A Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), que emprega o profissional, decreta: “não cabe à companhia nenhum procedimento, visto que o caso não tem relação com os aspectos funcional e profissional”.

Pois é, o agente responsável pela fiscalização da Lei Seca brasileira, considerada uma das 20 mais severas entre as legislações de 82 nações pesquisadas pelo International Center for Alcohol Policies, dirigirá tranquilo na via tortuosa da burocracia, eis que seu empregador descarta nexo entre conduta pessoal e eventos que mostram transgressão ao escopo funcional do empregado.

Esse é apenas um retalho da moldura que abriga leis não cumpridas, justiça lerda, projetos casuísticos, prioridades invertidas, improbidade administrativa, decisões provisórias, banalização da violência, tibieza de governantes e culto ao individualismo, entre outros vetores de nossa vida social e política.

O que chama a atenção no episódio do marronzinho (assim chamado pela cor da roupa) é a resposta da CET, da qual se pode pinçar o discurso reativo de nossa burocracia: “não temos nada com isso; cumprimos rigorosamente o dever; condutas pessoais não estão sob nossa égide”.






Eis a viseira que tampa o olhar lateral das estruturas do Estado, preocupadas em ficar longe de denúncias e em distribuir culpas a outros gestores, jamais avocando a si parcela (mínima que seja) de erros e desvios.

Não seria mais razoável que, face a situações como a ocorrida, a administração do trânsito viesse a público proclamar seu dever com a formação dos quadros, significando emprego correto de equipamentos, treinamento intensivo de habilidades profissionais, campo de abrangência das leis, e, em complemento, orientação psicológica, de modo a integrar condutas pessoais à planilha profissional?

O desleixo é um dos maiores obstáculos à modernização da gestão pública nas três instâncias federativas. Os maus exemplos vêm de cima, gerando o efeito dominó da ineficiência. A primeira pedrinha derruba a segunda, que derruba a terceira e assim por diante.

Veja-se o caso da Lei Seca, a de no 11.705, sancionada pela presidente Dilma em 20 de dezembro de 2012, que tornou mais rigorosa a punição de motoristas alcoolizados.

Necessária para diminuir o índice de acidentes – o Brasil ocupa o 5º lugar no ranking de recordistas de acidentes de trânsito -, no início, a lei correspondeu às expectativas. Registrou-se sensível queda no número de acidentes.

Ao correr do tempo, a fiscalização relaxou, tanto por causa da falta de bafômetros quanto por conta da recusa dos motoristas a se submeter ao teste. Nada surpreendente.



Leia a íntegra em Leis secas e molhadas



Gaudêncio Torquato, jornalista, professor titular da USP, consultor político e de comunicação Twitter@gaudtorquato

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